É Sábado de Aleluia e estamos, dentro da liturgia católica, a algumas horas das celebrações mais importantes de todo o calendário da Igreja, a Vigília Pascal e a Missa do Domingo de Páscoa. Aproveitando este momento oportuno, gostaria de lançar aqui neste espaço uma reflexão sobre uma das realidades da Igreja pós-pandemia.
Imagino que não preciso relembrar ninguém sobre o que aconteceu no início de 2020, mas por via das dúvidas, ocorreu que uma doença viral altamente contagiosa, nomeada como SARS-CoV 2 assolou os quatro cantos do globo, obrigando todas as pessoas a se isolarem umas das outras. A doença, mais popularmente chamada de COVID-19 fez com que estabelecimentos comerciais, agências bancárias, escolas, estádios de futebol, igrejas e outros espaços de possível convivência entre as pessoas fechassem as portas. Foi uma medida necessária, que mostrou resultados. Hoje temos diversas vacinas que combatem este mal, mas àquela época, no auge dos contágios, fez-se o que deveria ser feito mesmo (e mesmo fazendo o estrago foi enorme).
No campo religioso popularizou-se as transmissões virtual das missas, cultos, reuniões ou seja qual for o nome da cerimônia ou ritual de sua religião. Era, afinal, o único jeito de manter os fiéis espiritualmente alimentados. Solução bem longe do ideal, mas era o que dava para fazer. A partir de aqui vou me ater aqui à experiência católica. Se você professa outra fé ou teve alguma outra percepção do período, saiba que não é de você que eu estou falando (mas sinta-se bem vindo a terminar a leitura). As transmissões eram muitas vezes extremamente amadoras ou tentavam copiar, cada qual ao seu modo, as transmissões televisivas de missas, realizadas há muito tempo por emissoras como Rede Vida, TV Aparecida e TV Canção Nova. Internacionalmente, temos as celebrações papais geradas direto do Vaticano e disponibilizadas ao resto do mundo como modelo. Acima e abaixo eu deixei duas dessas transmissões profissionais para você poder acompanhar o que eu digo.
À época eu elogiei bastante a iniciativa das paróquias e comunidades, além, claro, das TVs, que davam seu melhor para levar ao povo de casa suas celebrações, mas o tempo fui passando e comecei a notar uma coisa: qual a diferença entre uma missa transmitida pelos meios digitais e um futebol de domingo à tarde na tela do plim plim? Ambas as produções são pensadas para atrair a atenção do telespectador pela maior quantidade de tempo possível e para isso se valem estratégias de enquadramento, troca de câmera, aquele zoom indiscreto na pessoa que se chama a atenção no banco ou na arquibancada e claro, um generoso espaço publicitário.
Note que assim como nos jogos de futebol, as missas não te permitem se concentrar. A todo momento mostram uma pintura na parede, uma imagem de santo ou um fiel compenetrado nas palavras do padre. Quanto ao padre, o mostram por um ângulo, por outro, a câmera passa pelo concelebrante, mira no coroinha e por fim a tela se abre em um plano geral do presbitério. São sequências de imagens que ao fim mais nos distraem do que nos compenetram na Celebração Eucarística ali filmada.
E antes que você diga que no Facebook da sua paróquia não acontecia isso, saiba que o mesmo só não era (ou é) feito pelas limitações técnicas de aparelhagem e equipe disponíveis (ou porque na sua igreja matriz não tem nada para ser mostrado — fenômeno comum nas igrejas modernas). A boa vontade era refreada pela dificuldade de se produzir algo a nível profissional.
E não se ofenda, isso não é maldade da TV Aparecida ou do Papa Francisco. É uma exigência do formato e do meio ao qual a missa está sendo exibida. Ela não foi pensada para substituir a sua comunhão dominical. Ela existe por N outros motivos, mas nenhum deles têm a ver com suprir a sua presença em uma igreja de tijolo, cimento, outras pessoas, vinho e pão. A pandemia serviu para que misturássemos as coisas e as intencionalidades e hoje é comum acharmos que viver em 2024 como se estivéssemos em 2020, 2021 é algo válido. E não é. O pároco da sua cidade age na melhor das intenções ao tentar copiar estes modelos — são os únicos que existem, afinal —, mas erra gravemente se não adverte a seus fiéis que a missa real e missa digital são dois eventos totalmente diferentes.
Hoje as missas transmitidas pelas paróquias diminuíram bastante. Talvez por uma tentativa de contenção de gastos, ou um convite para que as pessoas voltem presencialmente às suas comunidades. As missas da televisão, entretanto, seguem e seguirão firmes e fortes. Independente dos meios ou dos motivos, vale dizer que a religiosidade virtual, à distância, é uma ótima oportunidade para as pessoas que não podem, por qualquer motivo, viver sua fé, a vivam, mas jamais é uma substituta à altura da vivência física, material, da sua religião. A missa pela TV ou pela internet é sim algo muito bom, mas tenha sempre em mente que aquilo que você vê na tela de sua, antes de ser uma missa, é um programa de TV e programas de TV têm audiência, não têm assembleia*.
Por fim, independente da fé que você professe ou da crença que você tenha, uma santa e feliz Páscoa a todos que me acompanham nesse espaço.