Um assunto na última semana assombrou o mundo. Um grupo de pessoas, se auto proclamando nazistas, realizou uma passeata recheada de palavras de ordem contra gays, negros, estrangeiros, judeus e outros grupos historicamente minoritários na cidade de Charlottesville, estado da Virgínia, nos Estados Unidos. A manifestação surgiu após o anúncio da retirada de uma estátua de um líder confederado, há anos, quiçá décadas estava exposta na pequena cidade de 50 mil habitantes.
Líderes confederados, para quem não sabe, são os comandantes das tropas dos estados do sul dos Estados Unidos durante a Guerra Civil Americana, um conflito que, entre os anos de 1861 e 1865 quase dividiu a terra do Tio Sam em duas. Um agrupamento de estados sul do país, em um dos lados do front, se denominavam Confederados, era majoritariamente agrícola e defendia a continuidade do sistema escravocrata, pois "dependia" da mão de obra barata, de preferência de graça, para realizar os trabalhos na lavoura, enquanto os estados do norte, já com a industrialização bastante avançada, defendiam ideias liberais e abolicionistas, para que assim pudesse existir uma economia interna de mercado. Como é de se supôr, os nortistas terminaram vencedores, a o trabalho escravo passou a ser constitucionalmente proibido e o país acabou "ganhando" o nome pelo qual esse grupo se apresentava na guerra: Estados Unidos.
Mas como todos sabem, guerras e ideais deixam suas marcas, e o "orgulho sulista" (me permitam chamar assim) nunca desapareceu de vez. Bandeiras vermelhas com a cruz azul e estrelada de Santo André continuam hasteadas sobre as portas das casas e as estátuas dos líderes do conflito, como essa que iniciou a confusão, até hoje são vistas pelos mais diversos cantos (de uns tempos pra cá passaram a ser retiradas). Pelos "traumas" de seu passado e a perpetuação desses símbolos, não é de se causar surpresa nenhuma que muitos desses estados sejam até hoje altamente racistas (e por estarem mais próximos da fronteira, fortemente xenófobos), e que não a toa, as tais manifestações, que em seu decorrer geraram várias brigas, agressões e atropelamentos, não poderiam ter tido outro cenário senão um ex-estado confederado.
E eu fico triste pois tudo isso que falei até agora são coisas altamente perigosas. Não apenas pelas manifestações de ódio, uma vez que seu perigo é mais do que óbvio, mas também a origem desse sentimento, que parece passar de geração em geração, como se a História justificasse esse absurdo. Muitos podem culpar a crise econômica, ou até mesmo a dos refugiados, elas duas, claro, agravam a situação, mas é impossível que se desconsidere o quão normalizada é essa intolerância. Não existe ódio repentino, ele tem de passar por esse processo de banalização, tem que ser algo comum, e tem de ser algo que nosso próximo compartilhe (e se duvida, faça o teste você mesmo: quantas amizades você já fez por "inimigos em comum"?). E num campo de desavença naturalizada, fazer a retirada dos monumentos que lembram as causas negativas desse sentimento - no caso, as estátuas, que lembram a guerra - ajuda em que? Essas pessoas, por si só, já se consideram nazistas, definição que representa limite de tudo que se imagina como "normal"; o que será delas quando se virem ainda mais distanciadas de SUA História?
E não pense você que essa regra serve apenas para o sulista estadunidense que até hoje guarda mágoa de uma guerra que ele nunca viu. A crítica serve para o americano do norte, que lança biótipos de terroristas, serve também para o italiano, que guarda o portão de entrada da Europa e serve para você, brasileiro que não curte sírio e venezuelano entrando no nosso país. Que acha que seu primo é gay porque sua tia não o soube criar. Que não aceita que o professor do seu filho tenha a plena liberdade de discutir qualquer assunto em sala de aula. O problema do ódio, em geral, não está apenas lá, nos países ricos, é um problema que também bate à porta da "terra da diversidade". E fazendo uso de nossa falsa cordialidade, vi muita gente, em redes sociais, dizendo que devemos apenas desprezar o nazismo e ignorar esses grupos de radicais, mas eu digo que não, não devemos!
Se existe um hora, essa é a hora de discutirmos as causas e os efeitos do nazismo. De entendermos o porquê desse pensamento estar retornando com tanta força. De sabermos identificar as sementes dele em nossa sociedade. Somos o país que proibiu, mais uma vez, a publicação do "livro -fundador" dessa doutrina, que insiste em querer resumi-la apenas em "é de direita" ou "é de esquerda", e que nunca na vida viu um judeu que não fosse o Silvio Santos ou o Luciano Huck. E ao mesmo tempo em que grupos sociais com histórico de perseguição começam a ganhar voz e espaço meio que pela primeira vez, fazemos o possível e o impossível para jogar o problema dessa mentalidade pra debaixo do tapete e tratá-lo como algo distante de nossa realidade, mas não, ele não é. E enquanto não aprendermos a reconhecer isso, mais próxima essa ideologia vai estar de aterrissar com toda a força por aqui.
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